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terça-feira, 8 de julho de 2014

Diálogo...

DIÁLOGO (ou Um pedaço de nós dois)

HOMEM – tem café e bolo, aí no criado mudo. Fiz aquele que você gosta, com banana e canela. (ela olha e sorri) A ração dele acabou, e eu não vou comprar, você sabe. Isso é sua função, eu nunca quis isso em casa. (ela olha triste) Acho muito bom você tomar as providências porque já estamos ficando sem comida também. Eu não tive tempo de ir ao mercado, ainda mais com tudo isso acontecendo. (pausa) O tempo tá esfriando e parece que vai começar a chover... Eu sei como você odeia dias assim, mas nem tudo pode ser como a gente quer. (ela olha pela janela, caminha até o homem, pausa) Nem adianta me olhar com essa cara. Ontem eu tive outra entrevista, num restaurante aqui perto, mas sabe como é, a mesma ladainha de sempre, eu faço o prato que eles me pedem, eles provam e dizem que vão me ligar, que tem outros candidatos à vaga. Balela, isso pra mim já é um não, enorme, cravado no meu peito. Pra que dizer que vai ligar e não ligam nunca? Tudo seria muito mais fácil na vida da gente, se as pessoas soubessem falar o que pensam e o que sentem sem criar falsas expectativas nos outros. Ou você quer ou não quer, simples, rápido e indolor. (pausa) Será que você pode por favor colocar um casaco? (homem coloca o casaco na mulher) Aí, ó, não falei, começou a chover! (pausa) Os dias tem sido chuvosos ultimamente, reflexos da vida? (olham-se) Eu sempre admirei a sua segurança, seu bom gosto para os filmes e como você sabia fazer cafuné em mim quando eu estava carente. Você sempre soube como falar, sempre soube como acariciar. E eu não entendo porque você não me contou antes. Será que eu pareço assim tão desequilibrado e frágil, que cometeria alguma besteira? (mulher olha com ironia) Todas aquelas ligações e mensagens que você trocava com ele, aquelas saídas dia sim dia não... Eu não enxerguei. Aliás eu me ceguei diante diante do óbvio?! O que você pensaria se estivesse no meu lugar, hein?! (celular dele toca, mulher olha brava) Relaxa, eu não vou atender, devem ser do restaurante para confirmar o não. Quantas vezes eu te deixei sozinha no quarto enquanto eu ficava horas e horas na cozinha em busca do sabor perfeito para as minhas receitas... Quantas vezes você sofreu calada? Eu não estava te trocando. Todas aquelas brigas eram idiotas e sem fundamento. Também pudera eu sou de sagitário e você de escorpião. Somos o nosso inferno astral, não era isso que você dizia sempre? (sorriem) Nossa, fazia tempo que não via você sorrir assim, de mostrar os dentes, que bom. Sabe aquela revista que você comprava sempre e que eu achava que era a maior perda de tempo e dinheiro? Pois é, eu li um artigo interessante falando que sorrir faz bem para o corpo e ajuda em tratamentos médicos. Por isso você adotou ele? Eu via como você sorria, mas você me trocava por ele! Eu estava ao seu lado a muito tempo e você me troca assim por um saco de pulgas? (pausa, ele levanta vai até o criado mudo, se serve de bolo e café, senta e come. Ela anda pelo quarto, olha para ele, para na janela, suspira, ele falando de boca cheia) Tá chovendo muito, acho que não para tão cedo. (ela olha reprovando) O que é? A vida inteira eu falei de boca cheia e você nunca falou nada... Tá você falou, mas eu não sou bom em entender indiretas... Não faz essa cara! Lembra quanto tempo eu levei para entender que você estava afim de mim também? Falando nisso, chegou o convite de casamento da Júlia, quem diria que nossa amiga feminista iria casar algum dia. Ainda bem que ela teve o bom senso de te contratar pra organizar tudo, porque do contrário aposto que ela serviria linguicinha com farofa e cerveja com pagode! Você sempre se destacou quando o assunto era organizar eventos. Não era surpresa pra ninguém que a bem sucedida do casal fosse você. Também o que um cozinheiro desempregado poderia oferecer? Eu deveria ter engolido meu orgulho e aceitado fazer os buffes dos seus eventos, mas esse machismo, essa coisa de pensar que não seria bem visto eu trabalhar para minha mulher fez com que eu negasse sempre. Ah... será que você consegue pagar as contas desse mês? Elas vencem amanhã. Eu gosto como a chuva desenha na janela, acho que é meio que um relaxante pra mim. Esse bolo realmente está muito bom, você deveria provar, da próxima vez que eu for para uma entrevista, vou fazer esse bolo. Me superei, massa leve, firme, tempero na medida certa. Sempre soube como medir as coisas na cozinha, e porque não conseguia fazer isso com a nossa vida? Ontem ligaram da agência de viagens, sobre aquele pacote para Nova Iorque, lá nessa época do ano não chove, pelo menos. Eu não confirmei nada porque precisava falar com você antes. Você viu que eu repus o seu abajur? Eu sei que o que eu quebrei era seu de estimação, que sua vó tinha lhe dado quando você era pequena... (mulher olha surpresa) Ah, eu não disse que fui eu que quebrei, né?! Eu sabia que você ficaria triste e provavelmente a gente brigaria, por isso era mais fácil culpar o pulguento que você não ficaria tão zangada. Você fica tão sexy quando está zangada... Que? Não me olha com essa cara, eu tô sendo sincero. (ela sorri) Eu sei que eu deveria ter aprendido a ser sincero antes. Mas como eu conseguiria ser sincero com você fazendo aquelas ligações e trocando aquelas mensagens e saindo várias vezes? Isso me deixava louco de raiva, porque eu me sentia traído! Eu sempre do seu lado, tudo bem que eu talvez não fosse o melhor pra você mas você sempre foi  o meu melhor, tudo aquilo que eu deveria ser, mas aquela bruxa exotérica da sua mãe que teimou em fazer nosso mapa astral e falou que somos o nosso inferno, mas o inferno são os outros! Eu queria você! E agora tudo que você me oferece é esse silêncio! Valeu a pena guardar esse segredo? Eu poderia ter feito alguma coisa... E agora to com esse nó encalacrado na garganta e nem chorar na sua frente eu posso! Eu já falei que não adianta me olhar assim... Eu nem consigo mais dormir no escuro, tudo porque eu me acostumei a dormir com a luz do corredor acesa porque você sempre teve medo do escuro! E acredite o escuro é o menor dos meus medos agora! Fala comigo! Pelo amor de deus, me responde! O que você tá sentindo? Porque você não me falou antes? Porque?  Eu te amo tanto, mas tanto que seu silêncio grita em meus ouvidos! Eu te amo! Como eu me arrependo de não ter dito isso mais vezes! Fala comigo! Reclama dessa chuva que continua caindo... Da minha indiferença com o pulguento... Do abajur que você agora sabe que eu quebrei e menti pra você, não disso você não pode reclamar porque você também mentiu pra mim. Me fazer acreditar que você tinha outro com o propósito de não me fazer sofrer? Você achou mesmo que eu abriria mão assim tão fácil de você? Eu luto por você com todas as minhas forças... Fala comigo! Porque?! Eu sempre fui pessimista, e nem estava com intenção de amar até te encontrar. Você saia tantas vezes que deveria ter saído mais e procurado uma segunda opinião, uma terceira, uma quarta... E você continua assim, sem falar nada? O que eu vou fazer agora? Eu aprendi tantas coisas com você, mas você não me ensinou a... (pausa, suspira) Você sempre soube melhor do que eu a lidar com perdas, né? Você sempre foi forte. Sai logo dai. Volta pra casa comigo... Amo você.
(homem sai, medidor de batimentos cardíacos para. Ela morre. Black out)


Texto escrito por Kaio e Giovana numa madrugada qualquer.

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