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segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Daquelas que jamais serão entregues...

"Tu foste simplesmente à tua vida e eu fui à minha. Como sabes eu vivo por relâmpagos; contigo partilhei uma trovoada um pouco mais longa do que o habitual. Foi apenas isso. De qualquer modo a morte espreita sobre todos os prazeres dessa cronologia a que nos agarramos para escapar do tempo. O que somos para além do que vamos sendo? O meu além eras tu - imã da mina íntima, impessoal temporalidade. Redenção dos males que me amputaram. Tu. Agora puro vapor do universo. Serves-me de Deus - quem diria? Serves-me no que não sei ser e é a verdade. Olho para o mar do Guincho, para essas ondas frias e violentas em que tanto gostavas de mergulhar, e sinto-me também eu meio morto, meio frio. Feliz por estar ao teu lado outra vez. Ao lado dessa que já estava morta a um bom par de anos antes de tu morreres. Fazes-me falta. Mas a vida não é mais do que uma sucessão de faltas que nos animam. A tua morte alivia-me o medo de morrer. Contigo fora do jogo, diminui o interesse na parada. E se tu morreste, também eu serei capaz de morrer, sem que as ondas nem o céu nem o silêncio se transtornem. Cair em ti, cada vez mais longe da mísera ficção de mim." (Fazes-me Falta, Inês Pedrosa)

E a cada passo mais perto do fim, me apego aos bons momentos, aos momentos em que pensei ser feliz, antes de perceber que ambos sufocavamos dolorosamente. Que complicado é pensar agora. Sinto-me preso. Revejo coisas antigas, andei ouvindo aquela canção que estava calada, me livrei de outras memórias. Como será possível se machucar tanto somente por viver? Mas aí onde estás, as chagas e mágoas não chegam. Estás, mais do que nunca incólume de dores e desgraças. Será que você pensou em mim enquanto morria? Daria qualquer coisa por essa resposta, mas ao mesmo tempo prefiro ficar mais uma vez com minha imaginação criativa e fantasiosa. Aprendi que buscar a verdade nos torna castigadores cruéis. Nas minhas idas e vindas tropecei tanto em tuas mentiras que quase deturparam por completo tua lembrança. E mesmo assim eu alimento em meu coração o desejo de que você consiga ser totalmente feliz aonde estiver, além de perdoar você por tudo também. Como é difícil. Estou buscando ser uma pessoa bem melhor. Ser bom e fazer o bem, coisa que eu deveria ter feito a muito tempo, porque assim quem sabe caminhos errados não teriam sido escolhidos e muita coisa teria sido evitada e quem sabe você pudesse estar com vida. E eu longe somente permaneceria em meu mundo particular sonhando com aquilo que sempre sonhei, só que sem todas essas cicatrizes espalhadas pelo corpo e pelo coração. Lembranças da alma, memórias do corpo. Agora você é minha memória feita de pedra e sombra, onde tudo nasce, e eu mais uma vez me tranformo em água, me purificando, me permitindo ser maleável me permitindo seguir o fluxo de tudo. Fazes-me falta. Tudo agora tem sido falta, e a falta que a falta faz. Mas do que sinto falta? Não penso nisso agora. Permito-me sentir somente. Sinto muito.

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