Acordei hoje com tal nostalgia de ser feliz. Eu
nunca fui livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me
tornei intolerável para mim mesmo. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho
uma aparente liberdade, mas estou preso dentro de mim. Sou como você me
vê, posso ser leve como uma brisa, ou forte como uma ventania,
depende de quando, e como você me vê passar.
Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é
o que falo e sim outra coisa. Capta essa outra coisa de que na verdade falo
porque eu mesma não posso. Por te falar eu te
assustarei e te perderei? Mas se eu não falar, eu me perderei, e por me perder
eu te perderia. Por
enquanto estou inventando a tua presença... O que me atormenta é que
tudo é 'por enquanto', nada é ' sempre'.
Ando de um lado para outro, dentro de mim. Estou bastante acostumado a estar
só, mesmo junto dos outros. Sou composto por urgências: minhas alegrias
são intensas; minhas tristezas, absolutas. Me entupo de ausências, me esvazio
de excessos. Eu não caibo no estreito, eu só vivo nos extremos.
Não é que vivo em eterna mutação, com novas
adaptações a meu renovado viver e nunca chego ao fim de cada um dos modos de
existir. Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como
posso, entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus. Mas,
tantos defeitos tenho. Sou inquieto, ciumento, áspero, desesperançoso... Embora amor dentro de mim eu tenha... Só que
não sei usar amor: às vezes parecem farpas... E o amor, em vez de dar,
exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa que eles precisam.
Já que sou, o jeito é ser. Simplesmente eu
sou eu. E você é você. É vasto, vai durar. Por enquanto tu olhas para
mim e me amas. Não: tu olhas para ti e te amas. É o que está certo. Me
perco, me procuro e me acho. E quando necessário, enlouqueço e deixo rolar.
Sabe o que eu quero de verdade?! Jamais perder a
sensibilidade, mesmo que às vezes ela arranhe um pouco a alma. Porque sem ela
não poderia sentir a mim mesmo... Sou tão misterioso que não me entendo!
Ainda bem que sempre existe outro dia. E outros
sonhos. E outros risos. E outras pessoas. E outras coisas. E assim como a
primavera, eu me deixei cortar para vir mais forte...
(adaptação de frases de Clarice Lispector)
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